terça-feira, 16 de novembro de 2010

A ORAÇÃO DE JESUS POR SI MESMO – João 17.1-5

A ORAÇÃO DE JESUS POR SI MESMO – João 17.1-5
– Tendo Jesus falado estas coisas, levantou os olhos ao céu e disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti,
– assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a carne, a fim de que ele conceda a vida eterna a todos os que lhe deste.
– E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.
4 – Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer.
– E, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo.
1 Essas coisas falou Jesus. Podemos ver todo o evento concretamente diante de nós. Os discursos de despedida começam com a última ceia que Jesus realiza com seus discípulos (Jo 13). O discurso de Jesus se prolonga ainda no recinto da ceia, até partirem por ordem do próprio Jesus (Jo 14). O trajeto pela cidade e descendo a encosta ao vale do Cedrom não é percorrido em silêncio. Jesus continua falando com seus discípulos. A videira no jardim ao lado do caminho, claramente visível sob o brilho da lua cheia, pode ter sido o motivo para o discurso metafórico de Jesus em Jo 15. Agora já foi dito tudo o que preenche os capítulos de Jo 15 e 16. Jesus chegou diretamente ao Cedrom. Tão logo ele o atravessar e entrar no Jardim das Oliveiras (Jo 18.1s), estará à mercê de seu traidor e de seus inimigos. Por isso Jesus se detém ali, antes do último passo em direção ao sofrimento. Nessa hora ele precisa falar não apenas com pessoas. Sua última palavra não se dirige a elas, e sim ao Pai. Ouvimos o Filho em seu último diálogo com o Pai.
Como todos os autores bíblicos, João mostra uma reverência singela diante do mistério, de modo que não tenta violá-lo com perguntas e análises. Por essa razão, ele permite apenas, por meio de alusões, que observemos o contato de Jesus com Deus, sua vida de oração. Agora, porém, enfim é permitido ouvir: desse modo orava Jesus, assim o Filho conversava com o Pai.
Logo no começo dessa oração deparamo-nos com o mistério. ―Essas coisas falou Jesus e levantou os olhos ao céu e disse: Pai. Acaso Jesus não se empenhou com todas as forças para mostrar aos discípulos que ele está no Pai e o Pai está nele (Jo 14.10)? Será que de fato ainda existe um diálogo real entre Jesus e o ―Pai nele? Acaso Jesus ainda precisa e pode ―levantar os olhos ao céu, como se Deus estivesse lá ―em cima? Ainda que o fato de Deus estar ―no céu e ―no Filho não seja tão compreensível para nós de forma concreta e sem contradições nessas imagens espaciais, reconhecemos que ambos os aspectos são verdadeiros: a plena unidade do Pai e do Filho, e a plena autonomia das duas pessoas, que se expressa quando o Filho ergue o olhar ao Pai e quando há o diálogo genuíno de pedir e ser atendido. Igualmente leva-se a sério a plena encarnação do Filho. O Pai pode ser visto no Filho. Mas, como ser humano sobre a terra, o Filho ergue os olhos ao céu e interpela a Deus.
―Pai, é chegada a hora. Quanto tempo Jesus esperou por essa ―hora (Jo 2.4)! Agora ela chegou. O que é preciso pedir ao Pai agora? Já temos essa resposta em Jo 12.27,28. Não pode ser salvação dessa hora, que ―precisava vir e pela qual o Filho esperava ardentemente. A única opção é que ―a hora alcance o grande alvo. Por essa razão a prece de Jesus é: ―Glorifica teu Filho, para que o Filho te glorifique. Esse alvo, porém, não está somente além da hora, como uma recompensa depois do sofrimento. Se quiséssemos interpretar a prece de Jesus dessa forma teríamos de esquecer tudo o que Jesus afirmou sobre sua ―exaltação na cruz. Não: é precisamente na ―hora em si, na trajetória do sofrimento que está para começar, que a glorificação do Filho, que se torna ao mesmo tempo glorificação do Pai pelo Filho, deve acontecer. Essa glorificação do Filho, no entanto, não acontece por si mesma. Tampouco é obra pessoal de Jesus. Unicamente o Pai pode efetuá-la, razão pela qual precisa ser solicitada pelo Filho, que obviamente tem plena certeza de ser atendido.
2 Jesus pode ter tanta certeza de que essa prece será atendida porque essa glorificação do Filho no sofrimento não é nada mais que a concretização de uma soberania que há muito foi concedida ao Filho: ―Assim como lhe conferiste autoridade sobre toda a carne. A expressão ―toda a carne, já utilizada diversas vezes no AT, abrange a totalidade da existência das criaturas, a criação como um todo, porém refere-se de modo bem especial à humanidade como criada e transitória. ―Autoridade sobre toda a carne é precisamente o poder de Deus. Já Moisés e Arão adoraram a Deus como o ―Deus do espírito de toda a carne (Nm 16.22). E o próprio Deus declara ao profeta Jeremias: ―Eu sou Deus de toda a carne (Jr 32.27). O Pai transfere essa autoridade de Deus a Jesus. Nisso Jesus vê o motivo que o faz orar cheio de certeza pela ―glorificação. Também nesse caso o termo grego ―kathos = ―como possui um sentido causal. Essa autoridade, porém, não é simplesmente ―poder em si, mas serve à vontade do amor de e à salvação das pessoas. Jesus a possui ―a fim de que ele conceda a vida eterna a tudo os que lhe deste. O fato de ser ―carne torna passageira a criatura, que na verdade não possui ―vida eterna (Jo 3.6). Contudo, através de Jesus as pessoas devem obter ―vida eterna. Novamente transparece a idéia da eleição, para nós tão difícil, de Jo 6.37. Jesus não fala simplesmente da autoridade sobre toda a carne, para que ele conceda vida eterna a toda a carne. O verdadeiro teor, bastante complicado, ―para que tudo que tu lhe deste, ele lhes conceda vida eterna mostra com mais clareza que se trata apenas de uma ―seleção de pessoas, às quais é concedida a dádiva inaudita. Essa dádiva da vida eterna, no entanto, somente vem aos eleitos pelo fato de que o Filho de Deus se deixa transformar em pecado na cruz (Jo 3.15).
3 Em que consiste essa ―vida eterna? Surpreendemo-nos com a resposta: ―E a vida eterna é esta: Que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. A ―vida eterna consiste em ―conhecer. Essa não é a opinião fundamental típica da ―gnose? Contudo, nos lábios de Jesus essa palavra não tem sentido ―gnóstico, e o ―conhecer não está sobreposto ao mero ―crer como se fosse algo superior. Ela tem uma definição simplesmente ―bíblica, não se contrapondo, já em Jo 6.69, ao crer, mas está firmemente ligada à fé. Precisamos ter em mente a abundância de passagens do AT em que ―reconhecer a Deus é visto como o centro da vida. Acima de tudo, a ―nova aliança profetizada por Jeremias possui glória precisamente pelo fato de que todos hão de ―reconhecer a Deus (Jr 31.34). De forma muito significativa, também nesse caso o ―conhecer não está vinculado a forças superiores da razão, mas ao perdão dos pecados e à redenção da culpa. É desse ―conhecer que Jesus está falando. Ele é ―vida eterna pelo fato de que possui o conteúdo mais sublime e eterno. Aqui ―o único Deus verdadeiro é reconhecido. Do mesmo modo podemos traduzir: ―o único Deus real. Na humanidade houve e há em abundância imagens humanas de Deus e ―deuses falsos, inautênticos. Junto deles não encontramos a ―vida eterna. Somente são capazes de nos seduzir e enganar com mentiras sobre a vida. Ao ―conhecermos o único que é Deus verdadeiro é-nos atribuída vida tão eterna e inexaurível quanto o próprio Deus. Então ―conhecer não é o mero raciocinar idéias corretas sobre Deus. Na Bíblia, ―conhecer significa um apreender essencial mediante uma entrega viva e um relacionamento vivo. O Deus santo e verdadeiro jamais pode ser objeto de nosso conhecimento intelectual, de nossa investigação científica. Já no âmbito humano conhecemos pessoas de um modo completamente diferente: pelo ―encontro com amor, confiança e obediência. Deus, porém, nos concede o encontro com ele naquele, ―a quem enviou, Jesus Cristo. Por isso o ―e na frase da oração de Jesus não denota adição, juntando duas grandezas distintas. Não reconhecemos primeiro a Deus e em segundo lugar a Jesus Cristo, mas em ―Jesus encontramos ―o único Deus verdadeiro. Jesus está apenas sintetizando o que explanou exaustivamente em Jo 14.6-11. Nessa síntese Jesus está vendo o grande acontecimento que resulta de seu sacrifício na cruz tão vivamente diante de si, que fala de si próprio na terceira pessoa. Inúmeras pessoas em todo o mundo encontram em Jesus Cristo o verdadeiro Deus e, por conseqüência, a vida eterna.
4 A distância em que nos encontramos de qualquer ―gnose e de toda a ―mística é revelada de imediato pela frase seguinte. ―Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer. Jesus fala da ―obra que ele ―consumou nessa terra. Ele fala disso como se a pior parcela dessa ―obra, a cruz, já estivesse atrás dele. Tão seguro Jesus está da consumação. Contudo, exclamará ―Está consumado somente quando inclinar a cabeça e morrer (Jo 19.30). Agora ele faz um retrospecto dos anos de atuação e luta. Com vistas aos v. 4,6,8,12,14,22,26, podemos afirmar que a oração de Jesus nesse retrospecto se torna uma sagrada prestação de contas do Filho perante o Pai. Em tudo que preencheu esses anos, ele ―glorificou a Deus. Sua ―obra não era constituída de reflexão meditativa e de compenetração mística, mas de ―ação. A obra lhe foi ―confiada pelo Pai, ―para fazê-la. Não representou um fardo, mas foi para ele uma ―dádiva do Pai. Com quanta satisfação o Filho realizou essa obra, ―glorificando na terra o Pai.
5 Com base nisso, ele também pode pedir ao Pai com plena confiança: ―E, agora, glorifica-me, ó Pai, junto de ti, com a glória que eu tive, antes que houvesse mundo, junto de ti. Nesse momento seu olhar e seu anseio ultrapassam a ―exaltação na cruz, chegando à glória perfeita, que corresponde ao que ele já possuía originalmente. Também agora, em sua trajetória em direção à desonra da cruz, Jesus sustenta com tranqüila convicção que ele ―vem do alto e ―do céu (Jo 3.31; 8.23), da ―glória que ele tinha junto do Pai antes da criação do mundo. Foi dessa glória que ele se esvaziou (Fp 2.5ss) ao se tornar ―carne. Ainda assim, podia ser ―vista por olhos iluminados (Jo 1.14). Contudo, ao sair agora do mundo para o Pai, sua glória lhe é devolvida integralmente. É divinamente ―justo que aconteça assim, e o Espírito Santo convence o mundo dessa ―‘justiça (Jo 16.10). No entanto, a nova glorificação, que Jesus espera e pede, não é simplesmente o restabelecimento de uma situação anterior, pois agora é glorificado aquele que aceitou a condição humana de modo imperdível. Nessa humanidade ele experimentou o que o Filho eterno de Deus, por sua essência, jamais poderia experimentar e alcançar: tortura, desonra, maldição e morte. Também como novamente exaltado ele continua sendo aquele que traz as chagas, sendo realmente reconhecível através delas (Jo 20.24-28). Por essa razão a ―glória de Filho que ele recebe agora é completamente outra, repleta de toda a imensa obra da redenção. Agora vale o júbilo de adoração de Ap 5.12: ―Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. Assim o Filho ainda não podia ser enaltecido em sua glória original. Essa prece de Jesus enfatiza duas vezes que a glória original, assim como a que agora é esperada, não é nada que o Filho possa ter em e para si mesmo. Unicamente o Pai pode glorificar o Filho, e o Filho somente pode pedir por essa glória e recebê-la do Pai. Uma construção complicada da frase, que mantivemos também na tradução, ressalta especialmente o duplo ―junto de ti: somente estando junto do Pai o Filho possui glória. Na vida do discípulo, isso corresponde à circunstância de que também ele jamais poderá encontrar vida eterna e glória em sua própria existência, nem mesmo na consumação, mas unicamente em ―estar junto de Cristo (v. 22-24).

Comentário Esperança (Werner de Boor) 

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