sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A IGREJA PRIMITIVA

Em sua inteireza o Novo Testamento pode ser chamado, em certo sentido, de a literatura da Igreja Primitiva. Além disso, naturalmente, é a revelação que tem a autoridade de Deus bem como a norma da fé e da prática cristãs; porém, no que tange a nosso presente propósito, devemos considerar o Novo Testamento como uma coleção de documentos históricos da qual podemos derivar informação referente aos primórdios da Igreja Cristã. É verdade que os Evangelhos raramente mencionam a Igreja. Não obstante, explicam como ela veio a existir mediante a pregação de Jesus Cristo. Além disso, contém o que Seus discípulos originais julgaram importante relembrar a respeito de seu Senhor, e o que transmitiram, primeiro oralmente e então em forma escrita, aos seus seguidores. Não são meramente biografias, no sentido moderno da palavra. Mas são obras que visam a edificação dos crentes. Até mesmo Lucas, que teve mais interesse e dá mais material biográfico que os outros, e que talvez tenha escrito para um público mais geral, se preocupa em esclarecer aqueles fatos que "entre nós se cumpriram" (#Lc 1.1), e que "nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio" (#Lc 1.2). O que Jesus fez e ensinou, obviamente era a porção mais importante da instrução cristã, e a preservação e
transmissão desse registro é um dos maiores legados da Igreja Primitiva, mostrando sobre o que se preocupava mais o seu coração. A idéia do discípulo foi perpetuada.

As epístolas de Paulo foram escritas, em sua maioria, a igrejas, e fornecem vívidos quadros sobre as comunidades que ele fundou e supervisionava amorosamente. Vemos as questões que se levantaram, tanto quanto à fé como quanto à prática, vemos as tentações que tinham de ser vencidas, vemos a fidelidade e o fracasso ocasional de seus convertidos, vemos tudo isso não menos que a terna solicitude do apóstolo. Especialmente no que respeita à igreja de Corinto, podemos observar um quadro claro. Porém, é ao livro de Atos dos Apóstolos que devemos recorrer se desejamos possuir um relato compreensivo sobre a história da Igreja apostólica, desde a ressurreição até o ano 62 D. C. Este foi escrito por Lucas, o médico amado, convertido e companheiro de Paulo, um erudito crente gentio. Já tendo explicado, em seu evangelho, a origem do movimento no qual se envolvera, seu propósito, no livro de Atos, foi mostrar como, em tão pouco tempo, o movimento tomara tais proporções de âmbito mundial. No que dizia respeito à missão entre os gentios, ele permite que as cartas de Paulo falem por si mesmas, ainda que nos ajude a traçar as viagens missionárias do apóstolo. Porém, buscou cuidadosamente toda a informação que pôde encontrar no concernente aos acontecimentos que antecederam à conversão de Paulo-um importante período que ele salvou do esquecimento. Ao traçar nosso quadro sobre a Igreja Primitiva, portanto, devemos começar pelo livro de Atos, e preencher com minúcias e colorido tirados das epístolas.

I. A PREGAÇÃO APOSTÓLICA

Jesus surgiu proclamando que o Reino de Deus estava próximo. Não afirmou abertamente ser o Messias, mas aceitou o título quando este Lhe foi conferido por Seus discípulos, e foi crucificado nesse fundamento. Para a mente judia um Messias crucificado era algo inconcebível, e a própria crucificação foi considerada como suficiente para anular todas as Suas reivindicações. Até mesmo os discípulos, que O haviam confessado como o Cristo, ficaram abalados, e somente Sua ressurreição lhes pôde restaurar a fé. Então entenderam que Jesus aceitara a cruz por ser aquela a vontade de Deus, e então descobriram, nas Escrituras, evidências de que ao Messias competia sofrer. Por conseguinte, a cruz fazia parte do determinado desígnio e presciência de Deus. Nenhum homem sentiu com maior agudeza a ofensa da cruz que o apóstolo Paulo, talvez até mesmo depois de receber a visão do Senhor ressurreto: mas justamente por esse motivo se gloriava ele na mensagem de Cristo crucificado. Aquele foi o ato da incrível misericórdia de Deus, pelo qual reconciliava homens pecaminosos consigo mesmo. A crucificação não significou que a proclamação do Reino fora inútil. Pelo contrário, abriu o Reino para todos os crentes.

Apesar de todas as riquezas e da individualidade do pensamento do apóstolo Paulo, apesar de toda a sua insistência sobre o fato que recebera a verdade por direta revelação divina, o âmago central de sua pregação corresponde exatamente aos discursos dos primeiros capítulos do livro de Atos. Conforme os profetas predisseram, Jesus de Nazaré, da descendência de Davi, foi enviado por Deus. Foi crucificado pelos judeus por autoridade de Pôncio Pilatos, e morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras. Mas ressuscitou dentre os mortos ao terceiro dia, e acha-se exaltado à mão direita de Deus, de onde retornará para julgar a humanidade e inaugurar seu Reino Visível. A todos quantos se arrependam e confiem, é prometida a remissão de pecados, o dom do Espírito Santo e a vida eterna. Esses são os fatos do Evangelho, o Evangelho pregado por todos os apóstolos, que logo haveria de tomar forma de confissão no Credo dos Apóstolos.

II. A ECCLESIA

Desde o princípio o Evangelho conquistou crentes. Individualmente são eles chamados de "discípulos", "irmãos", "santos", "eleitos", "os que iam sendo salvos". Coletivamente formam o novo Israel, a Igreja de Deus. O crente é adicionado à Igreja ipso facto. Torna-se membro dela em virtude de sua fé. No Novo Testamento há o fato simples que fora da Igreja não existe salvação. Além disso, a Igreja é uma. É verdade que o vocábulo é usado no plural para denotar grupos locais de crentes cristãos, mas as igrejas não são partes confederadas da Igreja, mas antes, corporações locais da mesma. Paulo estava disposto a contemplar dois campos missionários mutuamente exclusivos, um para os judeus e outro para os gentios, nos quais costumes diferentes tinham de ser seguidos; mas isso não subentendia a existência de duas Igrejas. A epístola aos Efésios expressa em termos arrebatados o conceito primitivo sobre a Igreja.

O epíteto "santo" não é aplicado à Igreja, no Novo Testamento. Essa é sempre uma designação dada aos membros da Igreja, e denota primariamente o fato que são pessoas consagradas a Deus. Porém, tal dedicação implica num alto grau de pureza moral. Inevitavelmente havia falhas quanto a isso, e daí a necessidade de muita exortação moral para pessoas que tinham saído recentemente do paganismo, e que não se podiam livrar com facilidade das faltas deste. Em último recurso, quando as exortações mostravam-se ineficazes, não havia outro remédio senão a exclusão do membro impenitente do rol das igrejas locais; e, se tal membro permanecesse impenitente, parece não haver dúvida que nunca pertencera à Igreja. A Igreja é a comunhão dos santos, e não pode tolerar pecado grosseiro entre seus membros.

III. O ESPÍRITO SANTO

A Igreja é também a comunhão do Espírito Santo. O livro de Atos começa com o relato do dom do Espírito, no dia de Pentecostes, e igualmente, em pontos mais adiante fala sobre Sua concessão a indivíduos, de maneiras inesperadas. É o Espírito que inicia novas aventuras e dirige os crentes a novos campos missionários. O batismo em água é comumente associado ao dom do Espírito, visto representar aquele o aspecto exterior da experiência interior. No livro de Atos, a manifestação do dom do Espírito segue-se normalmente imediatamente após o batismo. Uma vez porém, no caso de Cornélio, essa experiência precedeu o batismo. Os convertidos pela pregação de Filipe, em Samaria, tiveram de esperar que os apóstolos viessem de Jerusalém, entretanto, e lhes impusessem as mãos, "porquanto não havia ainda descido sobre nenhum deles (o Espírito Santo), mas somente haviam sido batizados em nome do Senhor Jesus" (#At 8.16). Não saber que "existe o Espírito Santo" (#At 19.2) é sinal de um Cristianismo defeituoso.

É nas cartas do apóstolo Paulo, todavia, que vemos mais claramente o que significa a experiência do Espírito. A vida cristã inteira é uma vida no Espírito. Todos os dons mediante os quais a Igreja é edificada-pregação, ensino, cura-são operações do Espírito Santo. Semelhantemente são as virtudes cristãs distintivas, bem como suas graças e experiências. Até mesmo os fenômenos anormais, tais como falar em línguas, o que talvez não pareça muito edificador, não devem ser desprezados, embora também não devam ser considerados como dotados de um valor exagerado, e precisem ser controlados no interesse da decência e da ordem. Permanece, contudo, a regra: Não extingais o Espírito. Pois o Espírito Santo é o próprio dom de Deus, para vitalizar Seu povo fiel, tanto em suas vidas individuais como na vida comum e na adoração.

IV. VIDA DA IGREJA

A vida interna da Igreja era paralelamente intensa e entusiástica. Isso se torna evidente, onde quer que possamos vê-la, quer em Jerusalém, em Antioquia ou em Corinto. Em Corinto, por exemplo, podemos observar que as reuniões de adoração tinham a inclinação de ser desordenadas. Os profetas dificilmente podiam esperar sua vez para declarar a candente mensagem que lhes tinha sido dada. O fenômeno de falar em línguas ocorria, conforme têm sucedido desde então, em ocasiões de excitação religiosa. Até mesmo sentimentos de partidarismo apareciam. Paulo teve de apelar para o estabelecimento da ordem, ainda que o fizesse com muita gentileza. A ordem não deve ser imposta às expensas da vitalidade. A comunidade em Jerusalém também foi profundamente agitada. Pentecostes foi a primeira, mas não a última de tais experiências. Mas ali, talvez a presença dos apóstolos, e mais tarde de Tiago, irmão do Senhor, tenha assegurado uma adoração mais ordeira. "E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (#At 2.42).

Mas a vida da Igreja não se supunha abarcar apenas as ocasiões de adoração pública. A vida diária dos crentes, em todos os seus aspectos, era incluída. Os crentes de Jerusalém provavelmente viviam em casas separadas, mas mantinham a mais íntima comunhão uns com os outros. Faziam suas refeições em comum, e durante algum tempo, à semelhança do Senhor e Seus discípulos, tinham uma bolsa comum. Ninguém chamava qualquer coisa sua mesma. Alguns, como Barnabé, que possuíam propriedade em lugares distantes, vendiam-na e traziam o apurado para o sustento da irmandade. Tal ação, contudo, era inteiramente voluntária, e não parece ter-se prolongado por muito tempo. O doloroso incidente de Ananias e Safira indicou como se podia abusar dessa prática, e, de qualquer modo, os recursos de capital da comunidade certamente cedo se exauriram. Uma sociedade cristã precisa providenciar para que produza, tanto quanto precisa providenciar para que haja distribuição. Seja como for, o apóstolo Paulo não fez esforço algum para introduzir esse sistema primitivo de partilha em comum no seio das igrejas dos gentios. Ele reconhece que os crentes cristão não podem desligar-se inteiramente das atividades deste mundo. Até certo ponto precisam compartilhar da vida política, social e econômica de seus semelhantes, ao mesmo tempo que lhes compete evitar suas idolatrias, seus pecados grosseiros do paganismo. Por enquanto serão sempre uma ínfima minoria e não podem embalar a esperança de alterar as circunstâncias externas da vida. Não obstante, não devem apelar para a lei, em questão entre si, perante juízes pagãos, sobre questões de propriedade. Mas devem ser capazes de encontrar árbitros dentre seu próprio número, para que resolvam as disputas em verdadeira maneira fraternal.

Por isso é que, embora a Igreja Primitiva não tenha proclamado qualquer nova ordem cristã social e econômica, em realidade instituiu uma tal ordem dentro de suas próprias fronteiras-a ordem do amor fraternal. O escravo não era obrigatoriamente libertado, mas era considerado como verdadeiro irmão em Cristo. A viúva e o órfão, o pobre e o necessitado, o estrangeiro e o perseguido, tornaram-se alvos do cuidado especial das comunidades cristãs. Em meio a um mundo duro e cruel, as igrejas formavam uma teia de caridade e socorro mútuo, a ponto dos próprios pagãos reconhecerem: "Vede como os cristãos amam-se uns aos outros".

V. O MINISTÉRIO CRISTÃO

A forma mais primitiva do ministério cristão, naturalmente se tem tornado motivo de muito debate e controvérsia, para o que aqui não é lugar de tratar delas. Quase inevitavelmente nos lembramos de #1Co 12 com sua lista de operações e manifestações do Espírito, os variados mas complementares charismata concedidos pelo Espírito para a edificação da Igreja. Aqueles que recebem e exercem tais dons não formam um ministério oficial. De fato, nas primeiras cartas do apóstolo Paulo há apenas três referências possíveis a esses ministros: #1Co 16.15 e seg.; #1Ts 5.12; e #Fp 1.1. Nesta última passagem, bispos e diáconos são mencionados, cujas qualificações ideais são apresentadas nas epístolas chamadas pastorais.

No alto da lista dos ministérios dotados pelo Espírito, destacam-se três tipos bem definidos-apóstolos, profetas e mestres. Profetas são aqueles que recebem mensagens urgentes, de verdade para transmitirem-nas ao povo. Mestres talvez sejam aqueles que, à semelhança de Apolo, expõem o Antigo Testamento e o aplicam às necessidades da apologética cristã. Desses, o apóstolo é o mais importante. Ele é um missionário ao mundo externo, mas também exerce autoridade moral sobre as igrejas por ele fundadas. O apóstolo Paulo viu-se obrigado a defender sua reivindicação de ser um apóstolo, contra alguns que negavam tal autoridade. Talvez ele não fosse digno de ser chamado apóstolo; porém, tinha contemplado o Senhor ressurreto e d’Ele recebera sua comissão. Todos os sinais de um apóstolo tinham sido operados nele, e ele pôde apelar para seus mais abundantes labores, sofrimentos e realizações, nessa defesa.

No livro de Atos também lemos sobre apóstolos, profetas e mestres, sendo que os apóstolos, naturalmente, eram proeminentes. Eles são os porta-vozes na missão aos incrédulos, e têm honras especiais e exerciam a liderança dentro da Igreja. Supervisionavam novas comunidades e, em consulta com os irmãos, tomavam decisões quando surgiam novos problemas. Em #At 1.21-22 encontramos um interessante relato sobre o que era necessário para que alguém estivesse qualificado para ser apóstolo. Tinha de ter acompanhado Jesus em todo o Seu ministério terreno, desde o batismo de João Batista até a ascensão, a fim de que pudesse ser testemunha da ressurreição do Senhor. Não obstante, o título de apóstolo é atribuído pelo menos uma vez a Barnabé e Paulo.

Mas, que dizer sobre Estêvão, Filipe e seus companheiros? Em #At 6 é dado um relato sobre sua eleição pela comunidade e sobre sua consagração pelos apóstolos para que servissem às mesas, a fim de que os apóstolos tivessem seu tempo livre para se dedicarem à oração e à pregação da Palavra. Porém, não são chamados de diáconos (pelo menos em #At 6). Eram homens controlados pelo Espírito, e Estêvão e Filipe pregavam com notável efeito. De fato, mais tarde Filipe aparece como evangelista, e a pregação de Estêvão foi um degrau para a conversão de Paulo.

O título característico do ministério local, no livro de Atos, é presbítero ou seja, ancião. Paulo e Barnabé fizeram escolher anciãos nas igrejas que tinham fundado (#At 14.23). Existem anciãos desde o começo da igreja em Jerusalém, e quando os apóstolos se afastaram, aquela igreja passou a ser liderada por Tiago, irmão do Senhor, juntamente com um concílio de anciãos. Sem dúvida tal prática foi herdade da organização das sinagogas. Em vista da natureza da evidência dada pelo Novo Testamento, é um tanto surpreendente encontrar que, pelos começos do segundo século cada congregação local era organizada com um ministério do bispo, presbíteros e diáconos.

VI. A MISSÃO CRISTÃ

Durante o período apostólico, houve uma propagação admiravelmente rápida da nova fé, partindo de seu centro original, em Jerusalém, estendendo-se por Samaria, indo a Cesaréia e a Antioquia, e de Antioquia entrou na Ásia Menor, daí espalhando-se para as costas do mar Egeu, e daí até a Macedônia e a Acaia. Cerca de 57 D. C. Roma, igualmente, contava com uma importante comunidade cristã, suficientemente grande para receber a maior das cartas do apóstolo Paulo, onde estavam muitos de seus amigos pessoais. Curiosamente, ainda não havia missão para Alexandria.

Essa expansão não se deveu inteiramente ao apóstolo Paulo, ainda que ele pudesse afirmar com justiça ter sido o maior dos missionários. Todo crente cristão se considerava um missionário, ansioso para propagar o Evangelho, quer fosse pregador por chamada divina ou não. Antioquia foi atingida por crentes que não são nomeados, empurrados até ali pela perseguição, e ninguém sabe quem foi que fundou a igreja de Roma. O método de Paulo de passar rapidamente de uma cidade para outra, tão diferente dos métodos das modernas missões, foi bem sucedido pois implantou a fé nos centros estratégicos do império romano, dos quais subseqüentemente se irradiou. Precisamos lembrar-nos que então as circunstâncias eram bastante diferentes das de hoje em dia. Em todas as cidades do império havia sinagogas dos judeus, com seu grupo de prosélitos e aderentes, cada um deles em contato próximo com Jerusalém. Dentro de poucos meses, a contar da crucificação, a notícia das reivindicações de Jesus Cristo seria recebida e discutida, e uma impressão seria deixada. No ano de 49 D. C. o imperador Cláudio expulsou os judeus da cidade de Roma, devido a contínuos tumultos provocados por um certo Cresto. Assim escreveu Suetônio. Provavelmente ele se enganou quanto ao nome exato, e de fato estava se referindo às origens da igreja cristã de Roma. De qualquer modo, as sinagogas eram um convite aberto para os pregadores cristãos. Como oportunidade, não menos que como tarefa, o campo era o mundo.

Essa missão desde logo levantou um sério problema. Na igreja de Jerusalém, alguns mantinham que permanecia obrigatória a observância da lei de Moisés, não apenas para os judeus que se convertessem ao Cristianismo, mas até mesmo para os cristãos gentios. O apóstolo Paulo defendeu a tese que Cristo abrogara a lei como tal. Alguns pensam que o apóstolo Pedro tomou uma posição que representa um meio termo. Uma espécie de transigência foi assumida, permitindo as duas missões, uma para os judeus e outra para os gentios. Mas isso dificilmente poderia ter sido bem sucedido. O sucesso da missão aos gentios resolveu a questão e a epístola aos Efésios se gloria na derrubada do muro de separação entre judeus e gentios, os quais, conduzidos a Cristo sob condições idênticas, formam um corpo que é a Igreja. É verdade que alguns judeus cristãos se mantiveram afastados, mas a Igreja, como um todo, encontrara o caminho certo.

VII. OPOSIÇÃO

Já se deveria esperar que um movimento propagandista de tal escala acabasse encontrando oposição, e o apóstolo Paulo muito se queixou disso, especialmente às mãos de seus compatriotas, que se ressentiam de sua apostasia do judaísmo, conforme lhes parecia o seu Cristianismo. Por onde quer que ele fosse, agitavam turbulências algumas vezes organizando tumultos contra eles. "Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um... uma vez fui apedrejado..." (#2Co 11.24-25). Não obstante, sua missão não foi seriamente obstaculizada por eles.

No livro de Atos, igualmente, lemos a respeito de perseguições movidas pelos judeus, as quais lançaram fora de Jerusalém primeiramente os seguidores de Estêvão, e então até os próprios apóstolos. Os judeus foram igualmente responsáveis pelos tumultos dos pagãos que se mancomunaram contra Paulo, em Corinto e Éfeso. Mas Lucas nos mostra que se tratava meramente de agitação popular, e que a atitude dos oficiais do governo foi bastante protetora. O rei Agripa, um rex socius, ansiava por ouvir o apóstolo Paulo. Os asiarcas (principais oficiais do governo, na Ásia-#At 19.31) mostraram-se seus amigos, e o escrivão da cidade de Éfeso estava mais preocupado em abafar o levante do que em perseguir ao apóstolo. Em Filipos, para dizer a verdade, as autoridades municipais espancaram-no e aprisionaram-no, mas soltaram-no depois de muito se desculparem, ao ficarem sabendo que ele era cidadão romano, Gálio, procônsul senatorial da Acaia, não quis aceitar as queixas dos judeus contra a pregação de Paulo sob a alegação que não queria envolver-se naquela questão (#At 18.12 segs.). E Festo, o legado imperial da Síria, declarou que não encontrara falta na missão cristã como tal. É claro que o apóstolo falava por experiência pessoal quando escreveu: "... os magistrados não são para temor quando se faz o bem, e, sim, quando se faz o mal... visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem" (#Rm 13.3-4). E Paulo não alterou seu tom quando foi aprisionado em Jerusalém, Cesaréia e Roma.

Porém, o livro de Atos termina um tanto abruptamente em 62 D. C., pelo que não sabemos exatamente qual foi o resultado do apelo de Paulo a César. A voz unânime da tradição afirma que ele morreu martirizado em 67 D. C., durante a selvagem perseguição de Nero contra os cristãos de Roma. Por aquela altura, talvez, estava ficando claro para as autoridades que os cristãos deviam ser distinguidos dos judeus, e não podiam reivindicar a proteção da lei que reconhecia o judaísmo como religião tolerada. Seja como for, daquele ponto em diante começou um tempo em que ser crente cristão era sujeitar-se ao perigo de perseguição. Por aquele tempo, entretanto, o Evangelho já estava implantado tão larga e seguramente que nenhum poder humano era capaz de desenraizá-lo. A nova fé e a nova vida que o Evangelho engendrava estavam destinados a virar o mundo de cabeça para baixo.

J. H. S. BURLEIGH

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu Comentário