quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Lição 03 - O Derramamento do Espírito Santo no Pentecostes

O Espírito Santo Desce no Pentecoste ( Atos 2.1-13)

Extraído do Livro: Novo Comentário Bíblico Contemporâneo ATOS (David J. Williams) - Editora Vida
A história da igreja primitiva era muito mais complexa do que Lucas nos induz a crer. Todavia, ainda podemos aceitar a idéia de que a igreja começou com um "Pentecoste determinativo em Jerusalém", que deu à igreja seu ímpeto e caráter. A historicidade essencial desse evento tem sido firmemente estabelecida (veja Dunn, Jesus, pp. 135-36). Para um observador externo, poderia parecer que o começo foi uma explosão de entusiasmo dentro da seita dos nazarenos. Para os crentes, foi um episódio de importância crucial na história da salvação (veja Martin, p. 70), visto que se contemplou o cumprimento das promessas do Pai nas profecias de Isaías 32:15 e Joel 2:28-32 (cp. l:14s.), como indicação segura de que o novo tempo havia sido inaugurado, e que o reino de Deus havia chegado (veja disc. acerca de 1:6).
2:1/ O Pentecoste era a segunda das três grandes festas anuais dos judeus, sendo a Páscoa a
primeira e a dos Tabernáculos a terceira (veja Deuteronômio 16:16). Um número bem maior de peregrinos chegava para a festa de Pentecoste, visto que essa época do ano era a melhor para as viagens (veja a disc. sobre 20:3b). Sem dúvida isto constituiu fator decisivo na ordenação providencial dos eventos. Neste Pentecoste em particular (não há certeza em que ano ocorreu: o ano 30 d.C. é uma data como outra qualquer) estavam todos (os crentes) reunidos no mesmo lugar. Por todos podemos presumir que pelo menos aqueles cento e vinte de 1:15 estavam incluídos aí, mas poderia ter havido outros, provenientes da Galiléia e de outras partes, que haviam vindo a Jerusalém para esse festival (veja a disc. acerca de 9:31). Não ficamos sabendo onde os discípulos estão reunidos. O número de crentes envolvidos, especialmen­te se agora sobrepujava os cento e vinte, torna menos provável que o grupo se reunia numa casa particular, mas talvez num local público, ou ao ar livre, conquanto não se possa excluir outra possibilidade (veja as notas sobre 1:13). Por outro lado, o fato de a multidão ficar rapidamente a par do que estava acontecendo (cp. v. 6) sugere que os discípulos estariam num lugar onde podiam ser vistos, como p.e. no pátio externo do templo (veja a disc. acerca de 3:11; 21:27). O uso da palavra "casa" no v. 2 não elimina esta hipótese (cp. LXX Isaías 6:1, 4; Lucas 2:49), embora pudéssemos esperar que o templo fosse mencionado se, de fato, a reunião se realizasse nele.
2:2-3 / Todavia, de uma coisa podemos ter absoluta certeza: algo aconteceu naquele dia que convenceu os discípulos do fato de que o Espírito de Deus havia descido sobre eles — que eles haviam sido "batizados com o Espírito Santo", como Jesus havia dito que o seriam (1:5; cp. 2:17; 11:15ss.). Lucas descreve acena: De repente veio do céu um som, como de um vento impetuoso (v. 2). O comentário de Lucas de que "veio do céu" reflete sua intenção de descrever um acontecimento sobrenatural, e não algo natural. Observe as palavras como que. Não se tratava de um vento, mas algo de que o vento servia de símbolo, a saber, a presença e o poder divinos (cp. 2 Samuel 5:24; 22:16; Jo 37:10; Salmo 104:4; Ezequiel 13:13; também Josefo, Antigüidade 3.79-82; 7:71-77). Visto que vento sugere vida e poder, transformou-se no hebraico e também no grego a palavra para "espírito", sendo que aqui a palavra significa especialmente o Espírito de Deus. E com o som semelhante ao do vento também apareceram línguas repartidas, como que de fogo (v. 3). Mais uma vez, a expressão como que é importante, porque novamente o nome de algo natural é empregado a fim de representar o sobrenatural. As palavras de João Batista em Mateus 3:1 ls. provêem uma pista para o significado do fogo, pois o profeta se refere ao Espírito ao mencionar o fogo e o julgamento. Outra vez temos um significado para o Espírito de Deus, agora no simbolismo do fogo (cp. Êxodo 3:2; 19:18; Ezequiel 1:13), com a implicação de que o fogo veio a fim de purificar o povo de Deus (cp. Malaquias 3:1ss.). Notemos mais um simbolismo aqui: aquela semelhança de língua de fogo repousou sobre cada um deles (v. 3). Esses discípulos representavam a igreja toda, e é nessa categoria que todos participam da dádiva de Deus.
Todavia, até que ponto aquele som e aquela aparição eram fenômenos objetivos? No capítulo 10, em que a experiência de Cornélio é asseme­lhada à dos discípulos neste capítulo, não se faz nenhuma menção a aparições, nem a sons. É por isso que muitos argumentam dizendo não ter havido nem som nem visão alguma nessa ocasião, e que Lucas apresenta algo que foi pura experiência íntima, pessoal, como um fenô­meno auditivo e visual. Todavia, permanece o fato de que Lucas nos apresenta dois incidentes bem diferentes entre si, insistindo que aqui houve algo passível de observação — eles viram (v. 3). Após cuidadoso exame das evidências, Dunn chega à conclusão de que "o que chegou a eles não lhes chegou das profundezas de seu subconsciente individual ou coletivo; foi algo que veio de longe dali, de fora deles mesmos. Aquela foi uma experiência do poder divino inesperado, poder que lhes era entregue, poder em forma de dádiva, com suas características inerentes" (Jesus, p. 148).
2:4 / Todavia, essa também foi uma experiência subjetiva. Lucas afirma isso com a expressão todos foram cheios do Espírito Santo. "Tornar-se cheio" (diferente de "estar cheio", veja a disc. acerca de 6:3) expressa a experiência consciente do momento (veja a disc. acerca de 4:8). Os discípulos sentiram, bem como viram e ouviram, e deram expressão a seus sentimentos ao falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia. Este verbo especial "falar" (gr. apopht-hegesthai) é peculiar a Atos, no Novo Testamento (cp. v. 14; 26:25), mas é empregado noutras passagens do grego bíblico para significar a expres­são dos profetas (p.e., LXX, 1 Crônicas 25:1; Ezequiel 13:9; Miquéias 5:12).
Esse fenômeno de os discípulos falarem em outras línguas parece significar algo diferente de outras referências semelhantes, de outras passagens. É que "língua" aqui é empregada intercambiavelmente com uma palavra que significa "linguagem" ou "dialeto" (gr. dialectos, vv. 6, 8); o que estava sendo dito aparentemente era inteligível e, por isso, devemos supor que os discípulos falavam línguas reconhecíveis. Entre­tanto, não há razões para julgarmos que o mesmo aconteceu em outras ocasiões em Atos, quando algo parecido ocorreu (10:44ss.; 19: lss.), e temos todas as razões para entender que 1 Coríntios 12-14 trata de um fenômeno inteiramente diferente do de Pentecoste, pois, ali toda a argumentação de Paulo repousa em "línguas" ininteligíveis, além do entendimento, necessitando de "interpretação" (e não de tradução). Parece, portanto, que na igreja de Corinto e talvez em Atos 10 e 19, as "línguas" constituíam uma espécie de expressão enlevada, aquilo que NEB chama de "línguas do êxtase" (1 Coríntios 14:2), e que Paulo, em certa ocasião, chamou de "a língua dos anjos" (1 Coríntios 13:1), e em outra (talvez) "gemidos inexprimíveis" (Romanos 8:26).
Entretanto, seria admissível que houvesse dois fenômenos diferentes? Presumindo que não, que não se trata de dois fenômenos, Lucas tem sido acusado de entender mal ou de reinterpretar uma tradição anterior em que as "línguas" de Atos 2 foram as mesmas expressões de êxtase das demais passagens. Se isso não aconteceu, a tradição é que chegou a Lucas distorcida: os discípulos teriam realmente falado em "línguas" (no sentido usual desta palavra), mas as pessoas julgaram ouvir os crentes louvando a Deus nas próprias línguas deles. Dunn dirige a interpretação para um caminho que fica no meio dessas duas explanações. Ele nos leva ao fenômeno do pentecostalismo moderno: "Talvez a mais impressio­nante característica do pentecostalismo, para esta discussão presente, seja o número de afirmações sobre uma "língua desconhecida" que era, na verdade, uma língua estrangeira desconhecida para quem nela falou... Se tais afirmações podem ser feitas com tão grande convicção no século vinte, é muito mais concebível que teriam sido feitas na época do primeiro Pentecoste cristão" (Jesus, p. 151). A seguir, Dunn sugere que muitas daquelas pessoas ali presentes identificaram alguns daqueles sons pronunciados pelos discípulos como sendo as línguas de suas terras de origem. A impressão de que os discípulos estavam falando nessas línguas ficou mais fortalecida ainda pelo poderoso impacto espiritual dos discí­pulos, sendo essa a história que teria chegado a Lucas. De sua parte Lucas tratou do fato com maior precisão ao esclarecer a glossolália como emergindo das línguas estrangeiras propriamente ditas, e ao introduzir uma nota de universalismo (cp. v. 5). Assim é que Dunn com máxima cautela resume tudo: "Não há nenhuma razão para duvidarmos de que os discípulos experimentaram uma linguagem de êxtase no dia de Pen­tecoste. E há boas razões para crermos, tanto pelo texto como pelos paralelismos históricos religiosos, que a glossolália e o comportamento dos discípulos foram de ordem tal que muitas daquelas pessoas, que tudo observavam, julgaram ter reconhecido palavras de louvor a Deus em outros idiomas" (Jesus, p. 152).
2:5-ll a / Logo se tornou do conhecimento público em geral que algo extraordinário havia acontecido. Se os discípulos haviam estado em seu próprio alojamento quando o Espírito foi derramado sobre eles (veja a disc. acerca do v. 1), a esta altura teriam saído para a rua. É até possível que tenham ido ao templo, "andando e saltando e louvando a Deus" à semelhança do coxo curado do próximo capítulo. É natural, pois, que se reunisse uma multidão. Entre o povo estavam alguns judeus da Diáspora (isto é, de todas as nações que estão debaixo do céu, v. 5) que fizeram de Jerusalém sua cidade — ou pelo menos parece que é isso que Lucas quer dizer ao empregar o verbo grego katoikein. Sabemos que muitos judeus haviam regressado de outras paragens ou para estudar (cp. 22:3), ou simplesmente para passar seus últimos dias dentro das muralhas de Jerusalém, havendo muitas mulheres neste caso, a julgar-se pelos nomes encontrados em ossuários gregos (veja a disc. sobre 6:1). Seja como for, havia no meio da multidão algumas pessoas capazes de identificar em que línguas os discípulos estavam pronunciando palavras de louvor, dentre uma grande variedade de idiomas. Havia também alguns judeus palestinos que podiam assegurar aos demais que os que falavam assim eram todos galileus. A natureza condensada da narrativa de Lucas faz parecer que a multidão toda é que fazia essa observação, mas só podiam fazê-la aqueles dentre o povo que conheciam os discípulos, ou conse­guiam detectar-lhes o sotaque nortista (cp. Mateus 26:73). O fato de estarem comentando esse fato talvez revele sua surpresa. Os da Judéia tendiam a desprezar os da Galiléia.
2:11b-13 / Enquanto isso, os discípulos relatavam em "línguas" as grandes coisas que Deus havia feito (cp. Siraque 36:8), enquanto os ouvintes se maravilhavam e estavam perplexos (v. 12). De modo especial a segunda destas expressões, em grego, exprime a total confusão do povo — as pessoas simplesmente não sabiam o que fazer diante daquele comportamento (cp. 5:24; 10:17), embora alguns emitissem a sugestão perversa de que os discípulos talvez estivessem bêbados (cp. Efésios 5:18). Tudo isso nos parece tão real, um retrato da vida, e Lucas nos relata os fatos com extrema singeleza!

Notas Adicionais # 3

2:1 / Cumprindo-se o dia de Pentecoste: lit., "estava sendo cumprido": tal expressão tem sido entendida como referência ao período entre a Páscoa e o Pentecoste, significando que esta festividade se aproximava, mas ainda não chegara, quando estes eventos aconteceram. O mesmo verbo "cumprir-se" (no grego) é usado a respeito do tempo noutra passagem, em Lucas 9:51, em que NIV diz: "Completando-se os dias". Entretanto, todas as circunstâncias apontam para o fato de aquele ser o próprio dia de Pentecoste; nesse caso, devemos entender que esse verbo significa que o dia havia chegado ("estava sendo cumprido" — o dia judaico começava a partir do pôr do sol do dia anterior; veja a disc. acerca de 20:7).
A palavra Pentecoste deriva da palavra grega que significa "cinqüenta", e o dia tinha esse nome porque a festa era celebrada no qüinquagésimo dia contados após o dia seguinte (inclusive) ao sábado da Páscoa. Em outras palavras, no qüinquagésimo dia a partir do primeiro "domingo" (como o chamamos hoje) da Páscoa, quando o primeiro feixe de grãos era oferecido (Levítico 23:15s.)- Visto que o tempo decorrido entre a oferenda do primeiro feixe de grãos da colheita e o término desta no Pentecoste tomava sete semanas, o Pentecoste às vezes era chamado de Festa das Semanas (Êxodo 34:22; Levítico 23:15; Deuteronômio 16:9-12), e às vezes era chamado de Festa das Colheitas, ou Dia das Primícias (Êxodo 23; Números 28:26). De acordo com o Antigo Testamento, o Pentecoste devia ser proclamado como uma "convocação santa", em que todo o israelita do sexo masculino deveria comparecer perante o santuário (Levítico 23:21). Cada homem devia oferecer dois pães assados, juntamente com as ofertas pelo pecado e as de paz (Levítico 23:17-20). Assim, não só o povo dava graças a Deus pelas colheitas, mas reconhecia sua obrigação para com o Senhor, sob sua aliança. Em épocas posteriores o Pentecoste iria tornar-se uma festa que mar­caria a renovação da aliança (Jubileu 6:17-22; veja J. D. G. Dunn, "Pentecost", NIDNTT, vol. 2, p. 785), e ao redor do segundo século era também comemora­ção da outorga da lei, numa época em que a aliança fora estabelecida (veja notas sobre v. 6).
2:2-4 / Os acontecimentos deste Pentecoste marcaram o começo da igreja. Sem dúvida havia muitos crentes antes desse dia, mas só agora passavam a formar "o corpo de Cristo". "No sentido total de igreja com vida vigorosa, redimida pela cruz de Cristo, fortalecida pelo poder divino, estabelecida na trilha do trabalho e da adoração, a Igreja certamente não veio à existência senão no dia do Pentecoste" (L. L. Morris, Spirit ofthe Living God [Londres: Inter-Var-sity, 1960], pp. 54s.). O que Deus nos concedeu naquele dia, ele nunca retirou de nós. O Espírito que transformou os discípulos e os galvanizou para a ação permanece dentro da igreja — ele estará "convosco para sempre", foi a promessa de Jesus (João 14:16; cp. Salmo 51:11). O batismo externo com água marca a entrada na pessoa, e torna-se sinal externo também da entrada do crente na dádiva do Espírito (veja ainda as notas sobre o v. 38). Entretanto, resta ao crente o tornar-se "cheio do Espírito" (veja disc. acerca de 6:3), visto que com freqüência "resistimos" contra o Espírito (cp. 5:3, 9; 7:51; Efésios 4:30; 1 Tessalonicenses 4:8; 5:19; Hebreus 10:29) e precisamos aprender a confiar no Espírito e a ele obedecer (cp. 5:32; João 7:39; Gálatas 3:1-5, 14).
Todos... começaram a falar em outras línguas: Para os crentes a quem esse dom é concedido, as "línguas" são um meio de "comunicação entre o crente e Deus" (K. Stendahl, Paul Among Jews andGenüles [Londres: S.C.M. Press, 1977], p. 113) e, de modo especial, um meio de louvar a Deus e de reagir emocionalmente face às maravilhosas obras de Deus. Foi o que aconteceu no Pentecoste quando, não a pregação (talvez em aramaico), mas o louvor anteci­pado é que foi expresso em "línguas". Ao mesmo tempo, as "línguas" têm um valor de evidência. "O propósito do milagre [no Pentecoste]... não foi iluminar a obra do missionário cristão, mas chamar a atenção naquele início para o advento do Paracleto" (H. B. Swete, The Holy Spirit in the New Testament [Londres: Macmillan, 1909], p. 74). Foi, além do mais, um sinal da obra do Paracleto. Como observou Kirsopp Lake, o Espírito haveria de inverter a maldição de Babel, e permitir que a voz de Deus fosse ouvida novamente em todas as nações da terra, como havia acontecido quando o Senhor outorgou a lei (BC, vc 1.5, pp. 114ss.). Veja as notas sobre o v. 6 abaixo quanto à tradição judaica a que ele se refere. Mais tarde, as "línguas" proveriam evidências de que o Espírito de Deus destinava-se a judeus e a gentios igualmente (10:46; 11:15ss.), e logo depois constituiria um sinal para os "discípulos" efésios de que o Espírito Santo de fato havia vindo (veja a disc. acerca de 19:2; cp. 1 Coríntios 14:22, em que as línguas são conside­radas um sinal para os incrédulos).
2:6 / Cada um os ouvia: Cp. vv. 8, 11. Pode-se lançar alguma luz sobre o entendimento que Lucas tinha do Pentecoste pelo costume que data de pelo menos do segundo século d.C. de considerar-se este festival como comemo­ração da outorga da lei. Êxodo 20:18 diz que "o povo viu os trovões e os relâmpagos..." (como se fossem vozes, embora tais "vozes" fossem trovões); os rabis interpretavam esse texto como significando que todas as nações da terra ouviram a promulgação da lei. Se esta noção já fosse comum no primeiro século, é possível então que Lucas pretendesse que seus leitores entendessem a alusão. Neste Pentecoste, a "nova lei" — a proclamação da era messiânica e do próprio Messias — foi estendida às nações da mesma forma como o fora a lei; foi isso que "destruiu a parede de separação, a barreira de inimizade" (Efésios 2:14).
2:9-11 / Partos, medos e elamitas... cretenses e árabes: Para muitos judeus, a distância não constituía barreira que impedisse o pagamento de meio "shekel", o imposto do templo pagável todos os anos, nem impediria que fossem pessoalmente ao templo para uma ou mais das grandes festas religiosas anuais. Estima-se que mais de cem mil costumavam ir à Páscoa nos dias de Jesus (veja Jeremias, Jerusalém, p. 83).
Que os judeus estavam dispersos por toda a parte é fato atestado por inúmeros escritores antigos (Josefo, Guerras 2.345-401; Strabo, citado por Josefo, Antigüidades 14.110-118; Filo, On the Embassy to Gaius 36; cp. lambem Ester 3:8; 1 Macabeus 15:15s.; João 7:35). Quase era literalmente verdadeira a afirmação de que os judeus podiam ser encontrados em "todas as nações que estão debaixo do céu" (v. 5), de modo que embora a lista de Lucas fosse dada com a intenção de ser um catálogo das nacionalidades ali presentes (veja B. M. Metzger, AHG, pp. 123ss.), também poderia ser apenas representativa de muitas outras nações.
Falando-se de modo abrangente, essa lista transporta o leitor do leste para o oeste, havendo uma mudança na construção da frase grega a fim de marcar, talvez, a transição do império dos partos para o dos romanos. Assim, os partos são mencionados em primeiro lugar, estando na extre­midade leste, numa região a sudeste do mar Cáspio; a seguir, medos, numa região a oeste do mar Cáspio e ao sul das montanhas Zagros, e depois elamitas, o antigo nome dos habitantes da planície do Casaquistão, banhada pelo rio Querque, que se une ao Tigre bem ao norte do golfo Pérsico. Mesopotâmia, o primeiro nome na sentença de construção mudada, era termo genérico usado para descrever todo o vale do Tigre/Eufrates, onde se encontravam as esferas de influência dos dois impérios. Estas foram as terras para as quais os israelitas e depois os judeus haviam sido deportados, nos séculos oito e seis a.C, e onde muitos deles preferiram permanecer. Foi a área mais antiga e mais densamente povoada da diáspora.
A inclusão da Judéia como a região seguinte, na lista, é motivo de espanto para muitos. Tanto assim que várias alternativas de interpretação têm sido propostas, embora com pouco apoio textual (veja Bruce, Book [Livro], p. 62). Muitos eruditos, inclusive Bruce, acreditam que "é provável que devamos pensar na palavra Judéia no sentido mais amplo possível, denotando a grande extensão de terras controladas direta e indiretamente pelos reis judeus Davi e Salomão, da fronteira egípcia ao Eufrates" (Book [Livro], p. 62). Esta sugestão tem o atrativo de incluir aqueles países do leste do Mediterrâneo que, de outro modo, não estariam representados. Todavia, não devemos exagerar a dificuldade na interpretação de Judéia em seu sentido comum. Fazia-se distinção entre Jerusalém e o resto da província (veja notas sobre 1:8), sendo que para os compiladores originais poderia não ter parecido incongruente, como para nós parece, a inclusão dos judeus das vizinhanças entre os visitantes.
A seguir, Lucas faz menção dos visitantes da Ásia Menor — Ponto, no nordeste (veja a disc. acerca de 18:2); Capadócia, ao sul do Ponto; Frígia, a oeste da Capadócia, desta separada pela Licaônia (a província romana da Galácia, agora estendendo-se nessas terras; veja notas sobre 13:14); e Panfília, na costa sul entre a Cilícia (veja as notas sobre 6:9) e Lícia (veja a disc. acerca de 13:13). Ásia significa aqui, como por todo o livro de Atos (6:9; 16:6; 19:1, 10, 22, 26, 27; 20:4, 16, 18; 21:27; 24:18; 27:2), a província romana que tinha esse nome. Compreendia a costa ocidental da Ásia Menor, inclusive as regiões de Mísia, Lídia e Caria, e muitas das ilhas ao longo da costa litorânea (veja a disc. acerca de 19:1a). No terceiro século a.C. havia judeus nessas terras (Josefo, Antigüidades 12.119-124). Um século mais tarde esse número havia aumentado (por adição, ou seja, por migrações voluntárias) mediante o remanejamento de duas mil famílias judaicas da Mesopotâmia, na Lídia e na Frígia (Josefo, Antigüidades 12.145-153; veja adisc. acerca de 13:14). Os capítulos do meio de Atos (13-19) constituem em si mesmos uma testemunha da presença contínua e da importância dos judeus na Ásia Menor.
A estes judeus seguem-se na lista os do Egito. Tanto o Antigo Testa­mento (p.e., Jeremias 44:1) quanto os Papiros Elefantinos do quinto século a.C. e outros materiais arqueológicos trazem evidências de terem-se esta­belecido muito cedo no Egito; ao redor do primeiro século d.C. deles se diz que chegavam a perto de um milhão (Filo, Flaccus 6; cp. Josefo, Antigüidades 14.110-118; quanto aos judeus da Alexandria, veja notas sobre 6:9). Partindo do Egito, penetraram na Líbia, pelo oeste, sendo "Líbia" um termo amplo designativo do norte da África ao oeste do Egito); tais judeus são representados neste catálogo de Lucas por aqueles que provieram das "partes da Líbia perto de Cirene", isto é, do distrito conhe­cido como Cirenaica, a leste de Sirte Maior (golfo de Sidra; veja a disc. acerca de 27:17), das quais Cirene era a principal cidade. Strabo menciona a presença de judeus nesta cidade em particular (Josefo, Antigüidades 14.110-118).
Da extremidade ocidental vieram os judeus romanos (cp. 1:8; veja a disc. acerca de 28:16). Não sabemos quanto tempo os judeus haviam estado em Roma, mas são mencionados em uma ordem de expulsão datada de 130 a.C. Sem dúvida voltaram para lá acompanhados de outros judeus. O número deles aumentou mais ainda quando Pompeu levou muitas famí­lias a Roma em 62 a.C, as quais receberam liberdade e ali se estabelece­ram, a maior parte delas além do Tibre. Embora não fossem apreciados, prosperaram, havendo estimativas quanto a seu número no primeiro século d.C. que chegam a setenta mil. Os judeus romanos são mencionados na lista de Lucas ao lado de outros romanos que se haviam convertido à fé judaica (veja notas sobre 6:5). Não é provável que estes fossem os únicos gentios convertidos em Jerusalém à época do Pentecoste, mas o propósito de Lucas teria sido chamar a atenção de modo especial para a presença deles na fundação da igreja.
Finalmente, dando a impressão de que se trata de um pensamento tardio, Lucas se lembra de assinalar a presença também de judeus cretenses e árabes. Para a mente greco-romana, a Arábia não significava toda a península árabe, mas apenas aquela parte a leste e ao sul da Palestina, onde ficava o reino da Nabatéia (veja a disc. acerca de 9:23-25). A menção deles no fim da lista pode significar que não estavam presentes em Jerusalém em grandes números, mas só foram lembrados quando a lista já se encer­rara e estava sendo conferida. Por outro lado, a menção especial desses judeus cretenses está extraordinariamente de acordo com uma declaração de Filo, segundo a qual as ilhas mais importantes do Mediterrâneo — e ele cita de modo especial Creta — estavam "cheias de judeus" (Embassy to Gaius (Embaixada para Gaio), 36.
2:13 / Estão cheios de vinho: A palavra vinho (oinos) tanto pode significar "vinho novo" como "vinho doce". Se o primeiro sentido for aceito, surge a dificuldade segundo a qual na época do Pentecoste não havia vinho novo (falando-se estritamente), porque a primeira colheita de uvas para o vinho ocorreria em agosto. É melhor, então, aceitar o sentido de "vinho doce". Os antigos tinham meios de guardar o vinho doce durante o ano todo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu Comentário