sábado, 19 de fevereiro de 2011

Lição 08 - Quando a igreja de Cristo é perseguida

A Igreja é Perseguida e Espalhada (Atos 8:1 b-3)

Embora seja tolice imaginar que os crentes formassem em Jerusalém uma comunidade tão grande ao ponto de serem maioria, pois na verdade eram a minoria, por esta época, entretanto, sua presença era sentida em todos os níveis da vida da cidade, e em geral eram bem recebidos. Todavia, a tempestade que se desencadeou com a morte de Estevão trouxe em seu bojo o declínio da popularidade dos cristãos (cp. 6:12), o que possibilitou ao Sinédrio engendrar ações mais fortes contra eles. A palavra "perseguição" ocorre aqui pela primeira vez em Atos (v. 1), e pela primeira vez os crentes comuns são diretamente atingidos. Todavia, somos lembrados de novo que "todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus" (Romanos 8:28; veja a disc. sobre 4:28). Por causa da perseguição muitos crentes fugiram da cidade e, por causa disso, o evangelho começou a espalhar-se (cp. 8:4-40; 11:19-30).
8:1b / Até agora os saduceus é que haviam sido os principais antagonistas dos cristãos (cp. 4:1, 5s.; 5:17), enquanto os fariseus, se é que Gamaliel serve de critério, de alguma forma haviam adotado uma posi­ção mais neutra (5:34ss.). Mas Paulo, um fariseu (23:6; Filipenses 3:5), resolve abandonar a posição mais
suave preconizada por seu mestre, e passa a liderar um movimento organizado com o objetivo de desarraigar a nova doutrina. A preeminência desse homem fica indicada pela tríplice menção de seu nome em poucos versículos (7:58-8:3), e também pelo fato de a perseguição diminuir logo após sua conversão. Não é difícil descobrir a causa da mudança de atitude entre os fariseus. Eles eram dedicadíssimos à lei e suas instituições, as quais Estevão havia atacado. Em alguns aspectos, tinham afinidades com os cristãos (cp. 15:5; 23:6ss.; 26:4s.; veja a disc. sobre 5:34), mas a partir do momento em que estes se puseram a questionar a validade da lei como os fariseus a entendiam e interpretavam, os discípulos passaram a sentir o peso total da fúria farisaica oposicionista. No entanto, é razoável supor que a fúria deles não se projetasse de modo igual contra todos os crentes, mas visasse especialmente os que estivessem ligados de forma íntima a Estevão, os quais, com toda probabilidade, partilhavam as idéias desse mártir. Em suma, os (crentes judeus) gregos estavam agora na mira do ataque dos fariseus, pelo que esses crentes agora se viam obrigados a abandonar Jerusalém. Sem dúvida alguma os judeus hebreus também se viam prejudicados. Alguns destes teriam fugido com os gregos. Todavia, não devemos entender, pelo emprego da palavra todos, que realmente todos os membros da igreja deixaram a cidade; o versículo 3 mostra que muitos haviam permanecido ali. Lucas tem a tendência de dizer "todos" no sentido de "muitos" (veja a disc. sobre 9:35). Todavia, muitos desses que fugiram logo retornaram; e dos que regressaram, ou dos que não haviam fugido, a maioria era dos hebreus (veja a disc. sobre 15:1).
Saliente-se, porém, que embora muitos tenham fugido da cidade, os apóstolos ali permaneceram (quanto à tradição sobre a ordem de Cristo para que eles ficassem, veja Eusébio, Ecclesiaslical History 5.18.14; Clemente de Alexandria, Stromateis 6.5). O fato de os apóstolos serem intimamente ligados ao templo deve tê-los poupado das acusações atira­das contra Estevão. Portanto, deveriam estar relativamente seguros, embora a segurança jamais tenha sido a maior preocupação deles (veja a disc. sobre 4:19ss; 5:40). Os apóstolos teriam permanecido em Jerusa­lém mais por causa de seu senso de dever. A respeito dos crentes que saíram da cidade, Lucas nos traça um quadro segundo o qual "foram dispersos" como sementes pelas regiões da Judéia e Samaria — houve uma dispersão (ou diáspora, palavra da mesma raiz grega do verbo "dispersar") do novo Israel, correspondente à do antigo Israel; esta "dispersão" de sementes haveria de dar muito fruto (cp. v. 4). Aqui estavam os verdadeiros fundadores da missão gentílica.
8:2 / Uns homens piedosos foram enterrar Estevão. Noutras passa­gens esta expressão é empregada usualmente a respeito de judeus piedo­sos (p.e., 2:5); estes por certo seriam piedosos mesmo. No todo, porém, parece mais provável que se tratasse de cristãos cuja piedade, à seme­lhança da de seus companheiros judeus piedosos, expressava-se em termos da lei (cp. 22:12). Assim, talvez nutrissem pouca simpatia pelas opiniões de Estevão, mas este era seu irmão em Cristo. Uma das marcas dos verdadeiros devotos era a grande consideração dedicada ao sepultamento adequado dos mortos, pouco importando se a "causa mortis" fosse ou não uma sentença de pena capital. Conquanto os criminosos fossem apropriadamente sepultados, era proibido lamentar-lhes publicamente a morte (m. Sinédrio 6.6). O fato é que esses homens piedosos e devotos enterraram Estevão, depois do que fizeram sobre ele grande pranto, fato que pode constituir forte argumento de apoio ao ponto de vista de que Estevão não fora sentenciado legalmente, mas linchado pelo popu­lacho. Por outro lado, pode atestar-lhes a coragem.
8:3 / Se o versículo 2 derramou um pouco de luz naqueles dias trevosos, o versículo 3 nos empurra de volta à escuridão. Aqui estava uma expressão muito diferente de zelo pela lei. A palavra empregada para definir as atividades de Paulo (ele assolava a igreja) é usada para descrever a devastação produzida por um exército, ou por uma besta selvagem que dilacera sua vítima. Temos aqui o retrato terrível de um perseguidor que ia de casa em casa (entrando pelas casas) — talvez onde morassem crentes conhecidos, ou pelo menos os lugares onde se reuniam as assembléias cristãs (veja a nota sobre 14:27). A violência da repressão é sublinhada pela referência a homens e mulheres que eram arrastados. No entanto, Lucas está interessado em salientar a presença das mulheres, e o papel que elas desempenhavam (veja a disc. sobre 1:14). O próprio Paulo nos fornece um relato mais minucioso dessa perseguição em 26:9-11, e a ela se refere várias vezes em suas cartas (1 Coríntios 15:9; Gálatas 1:13, 22s.; Filipenses 3:6; 1 Timóteo 1:13).

Notas Adicionais # 18

8:1 / A igreja que estava em Jerusalém: Aqui pela primeira vez em Atos a igreja é assim chamada "em Jerusalém". Até então havia aparentemente uma só igreja, não havendo informações sobre esforços envidados pelos cristãos no sentido de atingir o interior da Judéia. Agora, todavia, Lucas dá a entender de leve que logo outras igrejas passariam a existir, "novas" igrejas — este era o termo por que eram conhecidas, à medida que o evangelho ia sendo propagado pelos cristãos em fuga.
Pelas terras da Judéia e da Samaria: estas duas regiões (segundo a palavra de Lucas) formavam uma província sob o procurador da Judéia (veja a nota sobre 1:8). O fato de os cristãos terem encontrado aceitação entre os samaritanos tem sido visto como prova adicional do "samaritanismo" de Estevão. Contudo, isto ainda precisa ser comprovado (veja a nota sobre 7:46). Os cristãos gregos (helenistas) talvez não fossem aceitos por nenhuma outra razão, senão pelo fato de estarem fugindo da hierarquia judaica.

 A história de Lucas é feita de retalhos de acontecimentos, e vai-se desenvolvendo sempre em referência a um punhado de pessoas, isto é, o que disseram e o que fizeram. Sendo agora seu assunto a história da expansão inicial da igreja, Lucas se volta para um exemplo típico de obreiro, Filipe. Este era um dos sete, tendo sido, sem dúvida, influenciado por Estevão. Filipe fez que a igreja caminhasse dois passos importantes para a frente. Primeiramente, ele pregou aos samaritanos. O. Cullmann atribui grande importância a este episódio, achando que ele "marca o começo real da missão cristã a uma comunidade não-judaica (pp. 185-94; mas cp. Lucas 9:52ss.; 10:30ss.; 17:16; João 4:5-42). O segundo passo foi que Filipe batizou um gentio. Por causa da natureza do caso, este teve pequeno impacto sobre a igreja, mas serviu para ilustrar o tema de Lucas, visto que mediante o etíope o evangelho chegou "até os confins da terra" (1:8; cp. Irineu, Against Heresies [Contra as Heresias] 3.12.8; 4.22.2). Segundo a geografia antiga, a Etiópia era considerada a fronteira mais longínqua ao sul no mundo habitado.
Tem-se levantado a sugestão, de vez em quando, de que a história do eunuco etíope teria sido forjada com base em certas passagens vetero-testamentárias, ou pelo menos teria sido modificada à luz dessas passa­gens. Os críticos apontam para Sofonias, em particular, que na LXX menciona "Gaza" e "Asdode ao meio-dia" (LXX traz "Azoto") ou "do sul", profetas trazidos pelo Espírito, e a acolhida a homens vindos do sul (Sofonias 2:4,11s; 3:4, 10; cp. também Salmo 68:31). E de fato parece muito provável que a linguagem de Lucas teria sido colorida pela linguagem de Sofonias. Todavia, isso é o máximo que podemos adiantar. Também é bastante plausível que as coincidências da história trouxessem a profecia à mente de Lucas, e que a profecia lhe tenha dado os detalhes. É possível que Filipe tenha sido o informante de Lucas em ambas as histórias do capítulo 8, embora no caso da missão entre os samaritanos, outros houve, como Paulo, que poderiam ter-lhe fornecido todos os pormenores (cp. 15:3).
8:4 / Este versículo apanha a referência feita no versículo 1 aos crentes que estão deixando a cidade. Por onde quer que fossem, iam pregando a mensagem. Esta declaração incorpora duas palavras que caracterizam o estilo de Lucas: "anunciando a palavra", a qual encontramos apenas uma vez nos demais evangelhos, mas dez vezes em Lucas, e quinze em Atos; é uma expressão verdadeiramente missionária — "ir através" (iam por toda a parte), que Lucas emprega com muita freqüência (embora não seja expressão exclusiva dele) para descrever viagens missionárias. Graças à vantagem de poder olhar para trás, para o passado, Lucas viu que a dispersão dos crentes constituiu uma série de viagens missionárias, embora, evidentemente, na ocasião não fossem assim consideradas.
8:5-8 / A declaração genérica do versículo 8 é seguida imediatamente de um exemplo particular: Descendo Filipe à cidade de Samaria v. 5. Os melhores manuscritos têm exatamente essa redação, mas ainda que aceitemos o artigo definido "a", persiste alguma incerteza quanto a que cidade Lucas tem em vista. Sebaste era "a principal cidade" da área, mas predominantemente gentílica (cp. Cesaréia, 10:1), não sendo o centro religioso nem étnico dos samaritanos. Sicar é outra possibilidade (cp. João 4:5ss.), e Gita (de localização bastante discutida, como terra natal tradicional de Simão, o Mago) tem sido também sugerida. O ministério de Filipe é descrito muito brevemente. Primeiro, ele se centraliza na proclamação de Jesus como o Cristo (v. 5). Ficamos imaginando se esta pregação se fazia em termos do profeta parecido com Moisés, visto que era nesses termos que os samaritanos concebiam seu próprio Messias, o Taheb (veja a disc. sobre 3:22 e 7:37). Em todo o caso, a situação deveria ter sido semelhante àquela descrita em João 4:25ss., em que Filipe dá um nome àquele que o povo está esperando. Em segundo lugar, o ministério de Filipe foi marcado por exorcismos e curas. Neste aspecto, seu minis­tério seguiu o padrão apostólico (cp. 3:1 ss.; 5:16; também 6:8) e, na verdade, o padrão do ministério do próprio Senhor Jesus. Lucas, com mais freqüência do que os demais evangelistas, estabelece uma distinção clara entre doenças comuns e a possessão demoníaca (veja a nota sobre 5:16), conforme o exemplo dado nesta passagem. Das várias curas que Lucas anota, as de coxos e paralíticos aparecem com maior freqüência neste livro, sem dúvida alguma porque constituíam sinais de que a esperança messiânica estava sendo cumprida (cp. Isaías 35:3, 6). Em terceiro lugar, o ministério de Filipe redundava em alegria (veja a disc. sobre 3:8).

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